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Brasileira bolsista do programa MEXT conta dos desafios até o doutorado no Japão

Imagine sonhar fazer medicina, ter nota suficiente para passar, mas não poder cursar: a faculdade é em outra cidade e você não não dinheiro pra se manter. Imagine ter que fazer graduação numa área com a qual você não tem afinidade: é a única maneira de você poder fazer curso superior. Imagine passar anos construindo currículo acadêmico invejável, ser aprovado com bolsa para estudar no Exterior na instituição onde você sempre sonhou e, meses depois do aceite, o programa ser cancelado. Você não desiste. Estuda o ano todo para outra seleção de bolsa de estudos e não passa. Faltou um pontinho na prova de proficiência de inglês, idioma que até então você nunca tinha tido a chance de estudar.

Parece a uma receita para formar um jovem amargo e inseguro. Adjetivos que são exatamente o oposto de Lorena de Oliveira Felipe. Hoje, ela faz doutorado no Japão com a disputada bolsa MEXT, mas até chegar na Universidade Tkusuba, o caminho foi tortuoso e cheio de reveses. Ganhar uma bolsa de estudos no Exterior não é fácil para ninguém. As candidaturas exigem planejamento, muita resiliência e, infelizmente, investimento financeiro. O que dificulta muito a vida de estudantes que, como Lorena, têm muito potencial, mas não têm uma vida fácil.

Bolsas no Japão

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Lorena, no Japão, e a sua primeira neve 🙂

Nascida em Ouro Branco, no interior de Minas Gerais, Lorena queria ser médica, mas por necessidade virou Engenheira. Ela tinha as melhores notas da sua escola no Ensino Médio e chegou a ser aprovada na primeira fase em diversos vestibulares de Minas.

Mas sua mãe, que sempre viveu de bicos e outros trabalhos informais, não teria como arcar com os custos de vida da filha em outra cidade. Assim, o sonho de fazer graduação precisou esperar. Nos anos após o fim do Ensino Médio, Lorena trabalhou para ajudar a família e também estudou em casa. “Eu passei dois anos inteiros estudando às cegas. Sem saber exatamente pra quê, mas fazer uma graduação era um sonho”, conta.

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Por sorte ou ironia do destino, em 2008, o programa Reuni fez com que a Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), focada em cursos de Engenharia, abrisse em Ouro Branco. “No começo, eu relutei muito porque nunca tive o sonho de estudar engenharia. Nunca fui boa em matemática, física e química. Chorei muito, mas acabei vendo que aquele era o jeito de eu fazer minha graduação”, explica. Com uma nota altíssima no ENEM por conta da redação, Lorena garantiu a vaga no curso de Engenharia de Bioprocessos na primeira turma do curso – em segundo lugar.

As dificuldades e oportunidades na Engenharia

Ser aprovada era só o começo. No Brasil, mais da metade dos estudantes de engenharia abandonam o curso antes da formatura, segundo estimativa da CNI (Confederação Nacional da Indústria) avaliando dados do MEC. Lorena enfrentou aulas de física, álgebra e de outras matérias do currículo básico das Engenharias. A mineira fez tudo que pode para contrariar as estatísticas e foi dos poucos alunos da primeira turma a terminar o curso: “começamos em 50 alunos e terminamos em oito. Muita gente achava que o curso teria mais coisas da biologia por causa do nome, mas era uma engenharia e um curso bastante complexo”.

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As alianças, como Lorena chama as parceirias com os colegas, que ajudaram a mineira a chegar ao fim do curso. “Me aproximei de quem tinha mais facilidade no que eu não sabia e pedi ajuda. Eu anotava muita coisa muito rápido e tinha o caderno mais bem organizado para ajudar todo mundo”. Foi o afinco de Lorena atrás das oportunidades que a levou mais longe. “Na dificuldade, eu encontrei oportunidades. Entrei sem ter afinidade com curso, mas busquei alianças, amigos e também comecei a buscar bolsas”, explica.

As matérias difíceis não eram o único problema. Ciente das dificuldades financeiras da família, Lorena sabia que não seria possível terminar a graduação sem algum tipo de ajuda. Ela correu atrás de uma bolsa de assistência estudantil da Universidade e com os R$ 300 mensais, Lorena pagava o ônibus e o material necessário para as aulas. Em troca, a aluna da UFSJ organizava bibliotecas, laboratórios e dava assistência a professores. A experiência a ajudou a se aproximar dos docentes e abriu portas para que ela corresse atrás de oportunidades voltadas à pesquisa e iniciação científica.

Assim, Lorena terminou seu bacharelado com experiência de bolsa com diferentes professores em diferentes áreas. Ela trabalhou com Iniciação Científica, projetos de Extensão, de pesquisa, foi representante discente por um ano e, inclusive, fundou a empresa Júnior da Universidade. Lorena sempre procurou atividades que fizessem seu currículo se destacar. “Nunca fui aluna nota 10, especialmente no cálculo. Mas aprovei em todas as matérias e consegui conciliar muitas atividades extracurriculares”, conta a Engenheira de Bioprocessos. Lorena brinca que não foi ela que escolheu a Engenharia, mas a Engenharia que a escolheu. E nem isso a impediu de dar o seu melhor: “eu eu não fiz nada em vão. Apesar de eu ter entrado meio que sem querer na engenharia, a partir do momento que eu entrei, eu comecei a traçar todos meus passos tendo um plano futuro à frente que era construir uma trajetória acadêmica bem legal para fazer um doutorado no Exterior”, conta.

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Lorena no laboratório da universidade de Tkusuba no Japão

O mestrado e o primeiro grande não

Com um currículo invejável nas mãos ao fim do curso, a ideia era, em 2015, engatar o mestrado em Tecnologias para o Desenvolvimento sustentável na UFSJ com o sonhado doutorado no Exterior. Tudo parecia se encaminhar para isso. Lorena foi aprovada com bolsa em um programa de doutorado na Alemanha pelo Ciência sem Fronteiras antes mesmo de defender a dissertação. Mas, no fim das contas, ela não pode embarcar. O edital foi postergado e depois cancelado. “Foi uma coisa muito dura pra mim, eu caí naquele buraco negro porque perdi todas as seleções de doutorado no Brasil. Fiquei esperando aquela resposta e acabei ficando sem nada”.

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Sem poder ir para a Alemanha e sem as atividades universitárias, Lorena resolveu usar o tempo em casa para redigir artigos. O que para muitos, seria um período de abatimento, para Lorena foi um período de alta produção acadêmica. Foi o jeito que ela encontrou para processar a frustração de ver a bolsa de doutorado na Alemanha desaparecer de um dia para o outro. De setembro de 2015 a março de 2016, foram sete artigos acadêmicos redigidos.

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Decidida a não abandonar o sonho ali, ela seguiu atrás de oportunidades e, na internet, e encontrou o programa Oportunidades Acadêmicas do EducationUSA. O programa ajuda quem, como Lorena, tem currículo brilhante, mas não tem condições de arcar com os custos para aplicar para estudar nos Estados Unidos. Estima-se que só os gastos para se inscrever em universidades americanas possam  podem chegar a até 2 mil dólares dependendo do curso e da instituição. Dos 500 candidatos daquele ano, somente sete foram selecionados. “Aí eu disse: nossa, agora é a minha vez. Depois de ter tido a infelicidade de não poder ir pra Alemanha, agora vou pros EUA, vou me esforçar”, relembra.

A oportunidade era única, afinal, o EducationUSA fez uma exceção para que Lorena pudesse concorrer.  O currículo da mineira era invejável e tinha tudo que o programa e universidades americanas poderiam desejar: necessidade financeira, engajamento social, produção acadêmica relevante, experiência com pesquisa, extensão e até empreendedorismo. No entanto, um componente importante faltava: Lorena não falava inglês. A mãe e a irmã deram duro para manter Lorena em casa naquele ano só estudando o idioma para poder seguir no Oportunidades Acadêmicas.


Cansada de ficar só em casa, a jovem se candidatou para dar aula na UFSJ como voluntária. “Segui estudando inglês em casa e para o application e me tornei orientadora de um projeto de pesquisa no curso de engenharia de bioprocessos”, conta. O projeto orientado por Lorena acabou em um programa para startups em Minas. Foi aí que o e-mail de um professor brasileiro em Tkusuba apareceu com o convite para aplicar para a Bolsa Mext de doutorado no Japão.

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A frustração que ela passou com a tentativa de estudar na Alemanha ensinou que era preciso focar num objetivo, mas também saber adaptar os planos. Lorena aceitou se candidatar para o Japão junto com sua a tentativa do Oportunidades Acadêmicas para os Estados Unidos. “Eu pensei: ‘não vou criar mais expectativa e não vou ficar sentada esperando os resultados’. E eu segui com meus trabalhos com as startups e as duas candidaturas”.

O que acabou sendo uma ótima decisão, pois mais uma vez, mesmo com todo o esforço, o sonho do doutorado no Exterior ficou no quase: “para seguir com a candidatura para fazer pós nos Estados Unidos, eu tinha que ter tirado 7 no Ielts e eu tirei 6. Foi muito frustrante. Eu nunca tive oportunidade de estudar inglês e apesar de eu ter estudado o ano inteiro, eu não consegui”, lamenta.

O caminho até o doutorado no Japão

Com todo o aprendizado e frustrações das experiências de tentativas de bolsas para doutorado no exterior na bagagem, Lorena aplicou para a bolsa MEXT no Japão. Ela aplicou via universidade, o que de forma alguma tornou o processo menos burocrático. “A candidatura para o doutorado no Japão foi complexa, eu tive que enviar documentos duas vezes via DHL e Fedex. Foram mais de R$ 300 para cada envio”, conta a jovem que teve a ajuda do cunhado para poder arcar com os custos.

Quando o final feliz se materializou em um aceite da bolsa MEXT para fazer doutorado no Japão, um último obstáculo precisou ser superado por Lorena. O programa do governo japonês cobre todos os custos dos bolsistas e manda a passagem para que os selecionados embarquem para o Japão. A bolsa, no entanto, só é paga depois 30 dias depois do bolsista chegar ao país. “Eu me dei conta que tinha que levar cerca de R$ 10 mil só para pagar os três primeiros alugueis [como caução]  para poder ter onde morar. Além disso tinha que viver outubro inteiro antes de receber a primeira bolsa”, lembra Lorena.

As estimativas de todas as despesas para o primeiro mês no Japão antes de receber a bolsa chegavam a R$ 25 mil. Neste cálculo estavam a caução do apartamento, aluguel, vestuário de inverno (Lorena nunca tinha saído do Brasil até então) e computador. “Pra variar, a minha família não tinha dinheiro nem pra chegar no aeroporto, então fiz uma vaquinha online, mas arrecadei um quarto só”. Decidida a não deixar a oportunidade passar, Lorena embarcou com os R$ 9 mil que arrecadou e afirma ter passado bastante aperto até receber a primeira bolsa. “Os primeiros 30 dias foram bem apertados, mas eu não podia deixar a oportunidade passar”, explica.

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Lorena fechou seu primeiro ano no Japão em outubro de 2018 e não poderia estar mais contente com a “escolha” de Estudar no Japão. Escolha, assim, entre aspas, porque a mineira nunca pensava ou sonhava que um dia estudaria no país. “Eu tentei o processo com muito medo do Japão. O Japão foi meu plano B. Eu só sabia que a Universidade de Tsukuba era uma das melhores do mundo e aceitei mergulhar no escuro”, relata. Lorena hoje se vê completamente adaptada ao país apesar das diferenças: “Tô amando o Japão, amo tudo. Tô conseguindo equilibrar vida pessoal com profissional então faço parte do clube de hiking e faço academia”, conta. Além dos estudos, Lorena segue fazendo diversas atividades voluntárias na universidade: “minha vida não tem como sem voluntariado. A gente não pode esquecer da nossa parte cidadã enquanto cientista”, lembra.

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Na sua trajetória, Lorena nunca deixou nada nas mãos da sorte. A mineira sempre soube transformar pequenas chances em grandes oportunidades e conseguiu não perder o ânimo diante dos nãos trazidos pela vida. A  dica de Lorena para quem quer estudar fora é seguir esses mesmos princípios: “Não dá pra ser passivo diante das dificuldades tem que agarrar com muita garra tudo que aparecer e contar sua história. Nunca deixe você ser levado pela correnteza, esteja sempre no controle e mantenha a cabeça no futuro objetivando aonde você quer chegar, mas sempre sendo educado e respeitoso. Esteja sempre preparado para ajudar quem está ao seu lado. Eu acredito muito no coletivo”.

Lorena hoje não consegue mais imaginar sua vida com outra profissão que não a de engenheira. Ela colhe as recompensas de acreditar na educação e não desistir dos sonhos mesmo quando a vida encheu o caminho de obstáculos. Depois de anos complicados desencadeados pelo cancelamento da bolsa do Ciências Sem Fronteiras, o destino parece estar finalmente recompensando Lorena pela perseverança. Além de ser doutoranda em engenharia no Japão com a bolsa Mext, em 2018, a mineira também foi a única selecionada para a bolsa de Nanociência na International Summer University da Universidade de Kassel, na Alemanha.

Lorena viu a bolsa aqui no Partiu Intercâmbio e me contou que foi selecionada. A ideia era que ela fizesse um relato sobre o programa na Alemanha, mas a história de vida e perseverança dela me emocionaram tanto que achei que seria egoísta da minha parte não dividir  com vocês.

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Sobre o autor

Bruna Passos Amaral

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10 comentários em “Brasileira bolsista do programa MEXT conta dos desafios até o doutorado no Japão”

  1. Parabéns Lorena!!! Muito emocionante e inspiradora a sua história! Te desejo muitas alegrias e realizações na sua vida! Obrigada por compartilhar esse relato Bruna! Tbm te admiro muito!

  2. Estou emocionada! Este relato me deu muita força para perseguir o meu sonho de estudar no exterior (de preferência no Japão). Obrigada Partiu Intercâmbio por compartilhar essa história maravilhosa conosco!

  3. Aline Nascimento

    Conheci a Lorena enquanto estudava em Ouro Branco, por causa da faculdade. Mais tarde acabamos virando vizinhas! Ela e a família dela são exatamente do jeito que está escrito aí, pessoas super esforçadas, muito solidárias e generosas! Fico imensamente feliz em ver ela arrasando, crescendo e representando o Brasil tão bem.

  4. Uai, eu estou com meu coração na mão. Que lindo ! PARABÉNS, Lorena. Você é merecedora de coisas grandes, lembre-se disso sempre. Desejo todo o sucesso do mundo para ti e muito obrigada Bruna, por ter compartilhado isso com a gente.

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Quem faz?

Bruna Passos Amaral é jornalista, viajante, entusiasta da educação e apaixonada por idiomas. Na bagagem, são nove intercâmbios – dois nos Estados Unidos, seis na Alemanha e um na Finlândia – e passeios por diversos países. Participe, mande relatos, perguntas ou sugestões. Os comentários no site são sempre respondidos!

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