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Mudar de país nem sempre significa morar fora do Brasil

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Lorena em Yokohama, no Japão, onde participou do Nobel Prize Dialogue 2019

Certo dia, um colega meu de laboratório me convidou para uma janta em sua casa. Comida na mesa, iniciamos a conversa sobre a experiência de morar fora do Brasil. Quase pronto para fazer a defesa de Doutorado, a experiência de morar no Japão também já esta na iminência do fim para ele. Antes de mais nada, ele me pediu para ler um quadro pendurado no meio do cômodo que estávamos. Nele estava escrito: “Close your eyes” ou “Feche seus olhos”, em bom e claro português. A partir dali, ele me contou que, embora esteja há quase quatro anos no Japão, aquela era a filosofia dele: viver de olhos fechados.

Ou seja, ele optou por morar no Exterior, mas não essencialmente morar fora do Brasil. E, especialmente ao considerar o enorme abismo que se abre entre a cultura oriental e a cultura ocidental, fechar os olhos para evitar o processo doloroso, mas também muito curioso de morar fora, parece ser o caminho realmente mais cômodo. E, entre a comunidade de estudantes internacionais, eu já havia percebido que, muitos dos meus colegas, estão aqui para completar os estudos de graduação, mestrado ou doutorado com os olhos permanentemente fechados. Moram quatro, cinco, seis anos fora, mas nunca mudam de país.

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Morar fora sem nunca “entrar” no novo país

Eles optam por conviver em tempo integral com pessoas do mesmo local ou pelo menos da mesma região do mundo, compartilham das mesmas concepções culturais, falam o mesmo idioma e optam quase que a todo momento pela culinária do país de origem. Um outro aspecto também comum entre eles, é que não se esforçam para aprender o idioma local, bem como se limitam a experiências mais turísticas, como se estivessem vivendo todo esse tempo fora, como meros visitantes temporários. Ao final, eles retornam pra casa sem nunca ter saído dela.

Morar fora é uma experiência dolorosa na qual, muitas vezes, você se vê na beirada de um abismo enorme, sem ter ideia alguma de qual a melhor decisão a ser tomada: pular de ponta ou permanecer estático. E essa decisão se torna ainda mais delicada, quando a gente se vê na fronteira entre duas culturas totalmente opostas quase que em sua totalidade, como por exemplo, a cultura Japonesa e a cultura Brasileira.

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Morar fora do Brasil é um mergulho de ponta no abismo

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Nessa minha primeira experiência de morar fora, depois de ter nascido e crescido no mesmo lugar, em uma cidade pequenininha no interior de Minas Gerais, sem ter ideia alguma do que estava me esperando, eu prometi que optaria pelo mergulho de ponta no abismo, com toda a escuridão que lá embaixo me esperava. Fazendo essa promessa, eu definitivamente não sabia o que estaria me esperando e nem imaginava que poderia ser dolorido, porque a minha curiosidade era muito maior para pensar em qualquer outra coisa. De olhos bem abertos, a opção de mudar de país e realmente se propor a morar fora do Brasil  lhe obriga a entender que entrelinhas culturais são extremamente arraigadas, nunca serão encontradas escritas em qualquer livro ou proclamadas por alguém, em forma de aviso para você.

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Bem ao contrário, serão encontradas nas sutilezas e detalhes do dia-a-dia, na convivência com os locais e isso pode machucar ou surpreender muito. Morar fora lhe obriga também a sempre sair da sua zona de conforto e se esforçar para enxergar as coisas sobre outros pontos de vista, que muitas vezes, jamais poderiam ser imaginados. Morar fora é descobrir que o diferente é mais diferente do que você imaginava e, que, essa estranheza vem dos dois lados, entre o estrangeiro e o local. Enfim, morar fora significa experimentação, coragem, abertura, disposição, esforço de entendimento, doses e mais doses de ponderamento, consternação, mistura de sentimentos, dor, liberdade, raízes. Morar fora do Brasil é uma jornada incrível de auto-conhecimento e uma chance sem igual de se reinventar, de se descobrir em novas versões, pessoas, gostos e preferências.

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Significa também no final, enxergar o quanto a sua cultura de origem está ali cravada, marcada, enraizada, embora de uma forma tão inconsciente. Eu nunca poderia imaginar o quão brasileira eu era, e isso tem sido uma surpresa enorme. E morar fora do Brasil é isso também: afirmar seus valores e reconhecer o quanto você carrega do lugar que veio. E, dentro de toda essa jornada – que desconfio nunca ter fim – aprender na diferença, na linha entre dois abismos. É uma chance linda, única, que transborda aprendizado. Mas para estar ali, equilibrando-se nessa linha tão tênue, você deve estar de olhos bem abertos, estando autorizado a cerrar seus olhos só se for para pular para o outro lado, para dentro do desconhecido.

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E, nessa descoberta incrível, o tempo e as pessoas serão descobertos como a coisa mais valiosa dentro de todo esse processo. E aqui, especialmente cá desse lado, ser sempre lembrada da iminência de um terremoto, que pode ser fatal, esses alertas tem me empurrado cada vez mais, para a experiência de morar fora do Brasil em sua totalidade, deixando-me claramente consciente de que eu não mudei só de pais. Obrigada, Japão!

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Lorena de Oliveira Felipe é Engenheira de Bioprocessos formada pela UFSJ/Campus Alto Paraopeba. Natural de Ouro Branco / Minas Gerais, ela faz doutorado no Japão com a disputada bolsa do Ministério da Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia do Japão (a bolsa MEXT) na Universidade Tsukuba. Quando tem uma folga da vida no laboratório, Lorena conta da experiência de estudar no Japão e dá dicas sobre a vida acadêmica aqui no Partiu Intercâmbio. Vocês acham a Lorena no Lattes e no Instagram.

 

 

 

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Quem faz?

Bruna Passos Amaral é jornalista, viajante, entusiasta da educação e apaixonada por idiomas. Na bagagem, são nove intercâmbios – dois nos Estados Unidos, seis na Alemanha e um na Finlândia – e passeios por diversos países. Participe, mande relatos, perguntas ou sugestões. Os comentários no site são sempre respondidos!

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