Unsicht-Bar: de comer sem os olhos

PretoAbsoluto detalhe

Acho que nunca na vida tinha parado para pensar em como a gente, de fato, boa parte das nossas experiências gastronomicas começam pelos olhos. A visão é o primeiro crivo, o primeiro julgamento. Ela tem 50% da decisão de comer algo ou não. Já pararam para pensar naquele bolo fofinho e cheio de cobertura que enche os olhos e faz a boca salivar ou o prato estranho que a gente recusa pela aparência? Mais que isso, acho que nunca na vida eu tinha me perguntado sobre como deveria ser comer sem enxergar, sem ver absolutamente nada. E mais ainda sem nem saber o que esperar. Se deixar surpreender pelo olfato e o paladar e aceitar o que vier. Comer sem os olhos.

Foi por isso que no meu último fim de semana em Berlim chamei três amigos e fomos no Unsicht-Bar. O restaurante que fica no bairro de Mitte tem apenas a recepção iluminada. Nela, você abre o cardápio, pede as bebidas e é apresentado ao seu garçom. Todas as pessoas que trabalham servindo no Unischt-Bar são cegas ou enxergam quase nada. Eles que vão guiar seu grupo para a sala de jantar igual a esta foto aí em cima: completamente escura.

E como comer no escuro sabendo o que você vai comer não teria a mínima graça, o cardápio é dividido em menus que te dão só algumas dicas, mas não entregam exatamente o que se vai comer. Tem o menu vegetariano, com carne, com galinha, com frutos do mar e o menu surpresa. Nosso quarteto optou por três menus surpresa e um de carne foi orientado a desligar celulares e relógios com qualquer tipo de luz e seguiu com o garçom em fila indiana para a sala escura.

É engraçado como a gente fica perdido nessa situação. Éramos quatro jornalistas nos seus 25 anos completamente desconfiados e desorientados entrando em um salão onde a gente não via absolutamente nada e dependia do garçom para não sair chutando outros clientes. Fora algumas crianças acompanhadas dos pais (que eu vi na entrada, afinal, na sala de jantar não via nem minhas próprias mãos), acho que eu, Renata, Rodrigo e André éramos as pessoas mais jovens do lugar. Até porque não é o restaurante mais barato que se vai encontrar em Berlim. A brincadeira toda não vai sair por menos de 40 euros por pessoa, mas vale cada centavinho, eu garanto.

O garçom nos ajudou a sentar nos lugares, explicou onde as coisas estavam fazendo analogia a um relógio (como se cada coisa estivesse em uma “hora” diferente) e começou a trazer nossos pedidos. Já na coca-cola a gente saiu batendo coisas, não encontrando os copos, rindo meio alto e causando um tanto no restaurante cujo volume da voz dos clientes, por princípio, já era 20% mais baixo que o nosso. Então imaginem a cena, porque né, nem a gente viu.

Aí chegaram as saladas e acertar as garfadas nas folhas era complicado, mais complicado ainda era não acertar o garfo na própria cara. Parece um exagero, mas a gente perde completamente o referencial quando não vê nada. O lado bom? É impossível não  comer tudo muito mais devagar, com mais calma. Mais legal ainda é, em tempos de malditos smartphones, jantar com amigos sem ninguém (nem uma vezinha) olhar no seu iPhone, fazer fotos para postar no Instagram ou simplesmente responder uma mensagem enquanto se janta. Se alguma luzinha brilhar durante a janta, você, além de ser um babaca, será convidado a se retirar. 

Eu aprendi a comer verduras não faz muito. Então, confesso que, fora alface, um pedaço de salmão e molho com gosto de amora num cantinho do prato, não reconheci muita coisa. O que também não foi um grande problema.  Nosso prato principal veio e ninguém sabia exatamente dizer que carne era aquela cortada em pedacinhos. Parecia um jogo de adivinhação: cada um contava o que pegava e dava palpites do que aquilo deveria ser. Em certa altura da noite, boa parte do time desistiu e confessou ter abandonado os talheres. Afinal, “ninguém tava vendo nada mesmo”. 

A sobremesa veio e eu não acertei a colher no copinho com musse de café e chocolate nenhuma vez. Depois de comer, a gente ainda ficou um bom tempo sentado falando bobagem no escuro e ganhamos até a antipatia de algum cliente que berrou “quiet, Italy”. O colega germânico aí que acha que fala italiano até podia estar de mau-humor, mas a gente estava bem faceiro e contente com toda a experiência. Na saída, antes de pagar, a moça do caixa nos entregou um folheto com o que comemos. Experimentei carne de veado e mais um tantão de coisas que nunca tinha comido. Super recomendo a brincadeira toda.


Unsicht-Bar
Gormannstraße 14
U Rosenthalerplatz

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Sobre o autor

Bruna Passos Amaral

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Quem faz?

Bruna Passos Amaral é jornalista, viajante, entusiasta da educação e apaixonada por idiomas. Na bagagem, são nove intercâmbios – dois nos Estados Unidos, seis na Alemanha e um na Finlândia – e passeios por diversos países. Participe, mande relatos, perguntas ou sugestões. Os comentários no site são sempre respondidos!

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