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Você acredita em "viajar para se encontrar"?

Ilustração: Caio Ramos
Ilustração: Caio Ramos

Cada vez mais, escuto gente contando histórias com o seguinte enredo: fulano viajou para _______ (insira aqui um país da Ásia, África ou da América Latina) para se encontrar. Sou e sempre serei defensora de viagem como fator de mudança na vida das pessoas, podem ter certeza. Passar um tempo viajando é incrível para crescer, para aprender e para abrir os olhos para os outros e, por que não, para si mesmo. Eu mesma passei longos e curtos períodos fora e sei o quão profundamente isso pode mexer com a gente. Mas não consigo comprar essa de “viajar para se encontrar”. Mesmo.

Justamente por já ter viajado bastante não consigo acreditar que isso “resolve problemas’ a ponto de fazer um ser humano “se encontrar”. Sou bem mais partidária do Michel Onfray, que acredita que viajar (especialmente por longos períodos) “exacerba nossos mal-estares e aprofunda nossos abismos”. Passar uma semana na Bahia ou na Costa Rica vai deixar você mais feliz. Passar seis meses cuidando de elefantes na África pode mudar sua vida. Viver um ano com yogis na Índia vai te arrancar da realidade diária que você conhecia. Sim tudo isso é verdade. Mas isso tudo, no máximo, vai ajudar você a ver a própria vida de fora – o que por si só já é uma coisa muito útil -, mas não, nenhuma dessas experiências vai botar você ou sua vida no eixo.

Aos 17 anos, quando eu estava prestes a fazer o primeiro vestibular, fiz um intercâmbio e fiz um ano do Ensino Médio na Alemanha. O intercâmbio de High School era pra mim, na verdade, “um ano sabático” ou gap year, longe de tudo e todos que eu conhecia. Os motivos da minha escolha foram muitos, mas, com certeza, dar aquela adiada – de uma forma menos medrosa – na escolha da profissão teve um peso bem grande. Naquele ano escolar 2003/2004, aprendi coisas que talvez levasse anos para entender sem a viagem e que mudaram a minha vida para sempre. A questão inicial que me ajudou a seguir o impulso de mudar de ares, no entanto, estava me esperando no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, assim como tudo e todos que ficaram por aqui. A viagem não me ajudou a me encontrar. Na verdade, ela me confundiu ainda mais e, depois de voltar, levei muitos meses lutando com uma depressão pós-intercâmbio até finalmente conseguir resolver os problemas que ficaram. Porque além deles, eu ainda tinha todos os novos problemas que eu trouxe na mala. Voltar depois de um longo período fora não é NADA fácil, acreditem!

Dez anos e muitas experiências depois, entendo “se encontrar” como algo muito mais ligado a estar feliz com suas próprias escolhas do que qualquer outra coisa. É um estado de espírito, uma escolha feita de dentro para fora, não o contrário. Estar no lugar X ou Y com certeza pode ajudar a melhorar seu humor, não tenho dúvidas disso. Mas a felicidade de estar em paz com com o caminho que você decidiu dar para sua vida só se alcança no momento em que se consegue ser feliz e completo em um lugar: dentro de você mesmo. Hoje, depois de muito dar com a cabeça da parede, vejo que isso está muito mais ligado a acreditar e seguir os próprios instintos do que se enfiar em outro canto do mundo.

Geralmente, pessoas que contam essas histórias de “se encontrar” na Ásia, na África ou onde for, são pessoas que simplesmente romperam com a rotina e com o estilo de vida que levavam antes. Quando eu digo “simplesmente”, não quero dizer que mudar de vida é uma coisa simples, porque é óbvio que não é. Mas pare para pensar, não parece muito mais fácil seguir seus instintos quando você está longe? Porque, de longe, ninguém vai julgar ou pelo menos você não vai ver. Com os julgamentos, você só vai ligar na volta (“Fulano voltou bem doido de lugar X”, “Beltrana voltou do lugar Y e agora está cheia de ideias estranhas”).

Ou você realmente acha que alguém só consegue enxergar que leva uma vida vazia e está fazendo coisas que não correspondem nem a um décimo dos seus sonhos depois de passar dez meses meditando no Tibete? Ou, quem sabe, seu chefe só vai se dar conta que trabalhar das 8h às 20h não é o melhor jeito de levar a vida, depois de conviver com as tribos indígenas de Uganda. Sério? Alguém realmente acredita nisso que SÓ depois de uma viagem as pessoas percebem isso? Essas coisas, com toda a certeza do mundo, já eram sabidas muito antes de ir viajar. A gente não foi feito para ser infeliz. Uma hora cansa, é instintivo. E se você precisou viajar para entender isso, legal, mas não me diga que foi distância que ajudou você a se encontrar. Ela só deixou você mais corajoso.

As pessoas mais corajosas que eu conheço não precisaram ir até o Nepal ou a China para mudar de vida – e serem chamadas de doidas por isso. São criaturas que simplesmente optaram por seguir o caminho que ELAS acreditam ser o certo. É gente que largou empregos fixos/bem pagos/cheios de status/massacrantes (escolha o adjetivo que você quiser para colocar aqui) por rotinas mais equilibradas, mais livres, mais… felizes; escolheu fazer o que ama sem se importar com status que o resto do mundo dá para a profissão; segue seus sonhos por mais inatingíveis que eles pareçam. Como eles conseguem isso sem uma viagem de auto-conhecimento? Eles não saem dos lugares. Eles saem de dentro de si mesmos a ponto de não se deixarem engolir e massacrar pelas armadilhas da rotina.

 Ir de X para Y não necessariamente vai fazer você se encontrar e pegar uma mochila com essa expectativa me parece até meio fútil. Viajar é incrível muito mais pelo inesperado do que pela expectativas que criamos e, sim, transforma a maneira com que vemos o mundo. No entanto, isso sozinho não fazer com que você de fato aplique mudanças na sua vida. Depois de voltar uma viagem transformadora, os problemas, as coisas que incomodavam, estarão todas lá atrás das portas e dentro das gavetas à sua espera. As pessoas do lugar de onde se saiu não vão ter mudado, a mentalidade de trabalho nas empresas vai ser a mesma de antes. E ser corajoso a ponto de seguir seus instintos e romper com o que esperam de você em um lugar onde todo mundo te conhece – e consequentemente te julga – não é fácil. Porque viver a vida que a gente quer pra gente requer coragem e custa caro. E o preço a pagar é conviver com o olhar torto e as críticas de quem não entende que sonhar até pode ser para todos, mas tentar viver os sonhos é só para os fortes.

E se você chegou até o final deste texto e, ainda assim, nada disso parece fazer sentido para você, deixo aqui o Hemingway. Em um diálogo de O Sol Também se Levanta, ele já aponta essa ideia torta – e nada nova – de que sair de um lugar vai magicamente melhorar a maneira como nos sentimos. Jake, o personagem principal, é um pessimista e esfrega na cara do amigo que não adianta rodar o mundo: estamos pra sempre presos na armadilha que é ser quem somos. De certa forma, concordo com ele, mas sou mais otimista (ou Pollyana, chamem como quiserem) mudar a maneira como nos sentimos é possível, sim, mas a viagem necessária para isso não requer avião ou percorrer todo o caminho de Santiago de Compostela. Requer andar pelos meandros das próprias armadilhas e aprender a encontrar a porta de saída.

“- Escute, Robert, tanto faz um país ou outro. Tenho experiência disto. Não podemos sair de dentro de nós mesmos. Não adianta.
– Mas você nunca esteve na América do Sul.
– América do Sul! Bolas! Se você fosse lá como está agora, seria exatamente o mesmo. Paris é uma boa cidade. Por que você não começa a viver aqui mesmo?

Todas as bolsas abertas

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Viram o desenho lindão ali em cima? O Caio Ramosilustrador talentoso e meu amigo, se ofereceu para emprestar a lindeza dos trabalhos dele para o Partiu Intercâmbio! A ideia é manter a parceria e sempre ter imagens pensadas pros textos divulgados aqui. Mais trabalhos do Caio vocês encontram aqui e aqui. Prestigiem 🙂

 

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Sobre o autor

Bruna Passos Amaral

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8 comentários em “Você acredita em “viajar para se encontrar”?”

  1. Ranulfa Queiroz

    Li seu texto Bruna e me ajudou a refletir. Antes queria viajar para bem longe, por que acreditava que iria encontrar o que eu estava procurando, mas na verdade verdadeira nem sabia o que estava procurando. Depois de um tempo fui percebendo que o viver, as oportunidades e buscas começa quando abrimos os olhos pela manhã, quando saimos da rotina que mata, para seguir aquele sonho da infancia. Realmente o inesperado da vida é o que nos dá o combustível para viver. Obrigada pelo seu texto e sou grata por vc compartilhar tanta coisa, Desejo que vc continue sonhando. Eu continuo com meu sonho de infância de viver em outros paises, mas aproveitando cada instante da minha jornada até lá.

  2. Excelentes ponderações. Busco me encontrar desde que saí da faculdade. Tomar decisões é difícil e doloroso, quando se está perdido. Eu acreditava que um intercâmbio se sanaria as dúvidas que me afligem. Ainda cogito ir pra fora, mormente se for para estudar o ACHO que quero estudar (sonho antigo). Quem sabe? Obrigada pela vacina! 🙂

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Quem faz?

Bruna Passos Amaral é jornalista, viajante, entusiasta da educação e apaixonada por idiomas. Na bagagem, são nove intercâmbios – dois nos Estados Unidos, seis na Alemanha e um na Finlândia – e passeios por diversos países. Participe, mande relatos, perguntas ou sugestões. Os comentários no site são sempre respondidos!

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